sexta-feira, 18 de junho de 2010

Cigana da Sorte - por Paula Castro

Sala azul, 203. Segundo andar. Poderia ser o último, pensei; a queda seria fatal.
- Me desculpe, eu lamento. - A médica me sussurrou, com as mãos cruzadas sob a mesa - O câncer é realmente maligno, está qusae a ponto de ser terminal.
Lamenta? Se desculpa? Não minta assim, doutora, não é você quem vai morrer. Por mais um pouco não disse isso.
Saí, querendo voltar para casa. Aliás, que casa? Por que diabos eu voltaria para aquele lugar? O ar parecia quente, me queimando os pulmões a cada inspiração. Pensei em tudo, absolutamente tudo. Na vida que quis ter e na vida que tive. Nos planos feitos, guardados na gaveta. Nas frases que não disse por medo, no "não aceito" que poderia ter dito no altar.
Andando pela rua, desnorteado, sem sentido, sem razão; com o pé na cova. De repente, uma cigana me parou. Uma velha, cor de índio, cheia de badulaques nas orelhas, pulsos e pescoço, olhos bem maquiados de preto.
- Senhor, posso ler sua mão?
- Não - depois repensei. Vou morrer mesmo. - Pode.
Entreguei a mão e pude sentir o calor da mão da cigana sobre a minha. Ela me fitou no fundo dos olhos e me disse, seriamente:
- Seu câncer tem cura, sim, não acredite no seu médico.
- Quem você pensa que é, sua velha? Você acha que sabe tudo da vida das pessoas? - Tirei minha mão da dela e fui para um bar, sozinho.
Uma cerveja. Duas, três. Sete. E duas doses de whisky.
- Amor, você não vem pra casa? - Minha mulher gritava - histérica como sempre -, nervosa.
- Já vou, já vou. - E desliguei. Certa vez que me disseram que bêbados não deviam usar telefone.
Voltei para casa, não sei como, e dormi. Apaguei, pra falar a verdade.
Sete horas da manhã e o telefone toca.
- Já vou, inferno. - Resmunguei, de ressaca. - Alô?
- Senhor, o hospital pede mil desculpas, o laudo sobre o câncer foi confundido com o de outro paciente, o senhor não tem nada; por sinal, sua saúde está ótima.
Cigana sacana, merecia uns trocados.

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